Diversos pais têm enfrentado grandes dificuldades para conseguir o tratamento multidisciplinar de filhos autistas através dos Planos de Saúde, por isso, muitas vezes o acesso ao tratamento somente é alcançado através de intervenção judicial.
Neste artigo tentaremos esclarecer o porquê de tal impedimento e quais são os caminhos mais eficazes que os pais devem percorrer para conseguir o tratamento pelo plano de saúde.
Se não bastasse todo o enfrentamento emocional com a descoberta do diagnóstico, acrescido com todas as adaptações necessárias que a família atípica deve fazer na sua rotina, além do preconceito velado ou exposto que a criança e a família sofrem, na hora da realização das terapias surge outra luta: a autorização do plano de saúde.
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) é uma autarquia federal que regula os planos de saúde privados, ela foi criada através da Lei federal nº 9.656/98, conhecida como Lei dos Planos de Saúde que tambem estabeleceu um Rol de coberturas mínimas obrigatórias a serem custeadas pelo Plano de Saúde, quem administra e atualiza esse Rol é a ANS.
Até julho de 2021, a ANS estabelecia um limite anual de sessões de psicoterapia, fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional para todos os usuários de planos de saúde. Ocorre que, no ano de 2020 se iniciou uma mobilização nacional envolvendo os autistas que pressionaram a ANS e, finalmente, em julho de 2021, este absurdo começou a ser consertado com o advento da Resolução Normativa 465/2021¹, que tirou a limitação destas terapias para o tratamento do Autismo.
¹https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=NDAzMw==
Até o advento desta RN os planos de saúde não negavam o início das terapias, mas sim autorizavam em qualquer ciência indicada pelo médico, inclusive ABA. Porém quando alcançava o limite, o plano de saúde negava a continuidade dos tratamentos, utilizando como base a limitação da ANS.
Ocorre que, como estratégia de contra-ataque os planos passaram a negar o que autorizavam antes ou ao menos no início do tratamento, ou seja, começaram a alegar na negativa inicial que o tipo do tratamento não estava no ROL da ANS, por exemplo: “O ABA não está listado no ROL da ANS por isso não está autorizado.”.
Durante todo esse período os tratamentos só eram possíveis através da intervenção judicial, seja na negativa por limitação ou na negativa pelo tipo de tratamento. Entretanto, como as demandas judiciais envolvendo o autismo começaram a crescer, os planos de saúde voltaram suas forças para o judiciário. No dia 08 de junho de 2022, o STJ decidiu que o ROL da ANS era taxativo com exceções², ou seja, alterou um entendimento que perdurava por mais de 10 (dez) anos em todos os tribunais. Anteriormente o Rol sempre foi considerado exemplificativo, ou seja, qualquer terapia, medicamento ou cirurgia que não estava no Rol teria que ser autorizado pelo plano desde que houvesse prescrição médica, porém após decisão do STJ o plano poderia negar se utilizando da justificativa que não estava no ROL da ANS.
Mais uma vez as mães dos autistas e de crianças com outras síndromes fizeram a diferença, e através de pressão popular e por meio da RN 539/2022³ conseguiram que a ANS afirmasse que todos os tipos de tratamentos para o Autismo, desde que embasados por relatório médico, teriam que ser cobertos pelos planos de saúde. Foi a vitória mais importante conquistada até aquele momento.
² https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/08062022-Rol-da-ANS-e-taxativo–com-possibilidades-de-cobertura-de-procedimentos-nao-previstos-na-lista.aspx
³https://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=textoLei&format=raw&id=NDI1Ng==
A partir disso os Planos de Saúde começaram a diminuir o número de clínicas credenciadas e estipular um limite de horas para clínica que desejasse continuar com o credenciamento. Sendo assim, as dificuldades encontradas hoje em dia se baseiam nesse contexto: o plano indica clínicas, mas essas clínicas não possuem vagas, ou seja, a solução parece que sempre será na esfera judicial.
As decisões judiciais, baseadas na RN 259 e 268/2011 da ANS, tem chegado ao entendimento de que, caso fique comprovado que as clínicas credenciadas indicadas não possuem vaga ou não conseguem atender a todas as terapias e carga horária prescrita no relatório médico, a criança terá o direito de realizar o tratamento em clínica particular de sua escolha através de reembolso integral ou custeio direto do plano.
Para conseguir a liminar e posteriormente esta ser confirmada em decisão transitada em julgado, é necessária a presença de 3 (três) pontos: 1) o relatório médico esteja bem instruído, com a carga horária semanal indicada para cada terapia, 2) que os pais tenham acesso a relação de clínicas multidisciplinares credenciadas ao plano e 3) obtenham a negativa junto a estas clínicas através de whats app, e-mail ou gravação da ligação. Se a clínica responder que não possui vaga ou que não consegue atender ao prescrito no relatório médico, já se faz uma comprovação importante para se ter direito ao reembolso integral ou custeio direto pelo plano a clínica selecionada pelos pais. Importante frisar que o direito ao reembolso integral no contexto acima independe se o plano de saúde possui previsão contratual para reembolso.
MARCIO ALVIM DA PALMA
OAB/SP 452.835
Advogado sócio do Monteiro Palma Sociedade de Advogados, escritório especializado em Direito à Saúde